sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

12 linhas (ou Canto para a Modorra)

Das sombras que me perseguem
Às sombras que eu provoco
Vejo tudo escuro e oco
Opaco ao toque e ao sussuro
Nas sombras em que me esmurro
Sinto a brisa dos vencidos
Até os versos não lidos
Trazem a dor de seu refrão
Sinto o mundo pela mão
Do poeta mal-amado
O sofrimento azeitado
Pela dor no coração

Trago os olhos ofuscados
Trago a lua e trago o eu
Não sei quem foi que venceu
A lida do cantador
Eu troco tudo que for
Por um dia de princesa
Para me afogar na fineza,
e me transformar em meretriz
Não sei porque que eu quis
Essa vida devagar
Eu só quero poder gritar:
"De tudo vi, de tudo fiz."

De cada gemido ouvido
Quero ser o capataz
Me perder em sempre mais
E clamar por lucidez
Ganhar desfaçatez
Me punir pelo temor
Me agarrar ao fervor
De cada gole do vinho
Seguir a vida de mansinho
Rindo da sobriedade
Rezando para a verdade
Se perder em seu caminho

Não me venham com um lastro
Com carinho ou com afeto
O meu desejo e objeto
Não se encontra em cada flor
Quero tudo de uma só cor
Expandindo o movimento
Para nunca achar alento
Na riqueza ou na miséria
Bruxuleando em cada artéria
Cantando ritos ateus:
"Me leve a vida, meu Deus,
Mas não me leve a pilhéria."

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Vale do Jucá

Nesse clima de fim de férias, nada mais digno do que parar pra pensar no que ficou. De todos os momentos passados nesses parcos 2 meses de descanso, ócio e vadiagem sei que apenas alguns serão selecionados para o hall das coisas que realmente me marcaram. E o resto, para onde vai?
As lembranças são pedaços do mundo e das pessoas que você gosta que lhe são ofertados para te dar apoio nos momentos difíceis. Sei... As lembranças são simultaneamente aquelas plumas que lhe acariciam o ego e mascaram os acontecimentos mais amargos, e os petardos sempre dispostos a acabar com o nosso dia. Assim como conviver com elas?
Todas as lembranças são cruelmente encarceradas no fundo de nossa mente. Medida mais que necessária. Não há decoro ou caráter que resista a todas elas. As mais tenras coitadas, são relegados a mesma escuridão que  as mais encardidas, isso quando não são suplantadas pelas vergonhosas rememorações de nossos atos diários ou isolados. Existem as teimosas, que insistem em marcar sua presença nos momentos mais inoportunos, as felizes que controlam a singela vontade de se matar e as simplesmente inesquecíveis. 
As lembranças que realmente importam, as que nos tocam indelevelmente e com a ternura do olhar perdido sustentam a nossa dor e o flagelo cotidiano costumam ser as mais despretensiosas. Hoje olho para trás e por mais que não consiga distinguir cada momento simples e puro de felicidade sei que elas estão lá, velando por mim. E assim espero, até chegar o dia em que olhar para trás não seja apenas singles desconexos, mas uma obra coesa que possa chamar de minha.

Obs1: Existem também aquelas que inutilmente encarceramos, pois na verdade estamos apenas rezando para conseguir acessar o HD que todos nós carregamos e sem nenhuma piedade deletar a dita cuja.
Obs2: É incrivelmente fácil lembrar daquele menino que te batia na escola, mas tente se lembrar do nome da morenaça que você conversou na festa!

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Aos rígidos, os caixões.

Verme imoralista, verme amoralista, verme anarquista, verme niilista, verme Eu. O verme-eu a corroer a sociedade do seu âmago, com a profundidade das palavras simples e a objetividade de quem fala o óbvio. Na minha desmoral invado as entranhas de tudo e de todos. Ou serão apenas minhas? Ou será apenas eu? No anti-gozo de minhas faculdades mentais não consigo chegar a uma conclusão. Muitas digressões no meio do caminho. No meio do caminho rastejo, imoral e amoral como sempre. No caminho dos outros ou em meu caminho? Meio caminho?
O caminho é longo para os que partem. Mas nunca parto. Permaneço na espreita de mais um a cair aqui, a zombar de todos os rijos corpos que desabam enquanto me avaliam e me julgam. Necessitado espero virem correndo em minha direção, tão necessitados como eu, mas sem a paciência necessária. Necessitados todos. Tropeçam um após o outro em seu próprio discurso, irretocáveis até. E sigo rastejando por suas entranhas ante o regozijo geral da nação. Ou apenas meu próprio?
Verme-eu observo. Ascético quase, porém apenas cínico. Impassível entre tantas entranhas alheias e conhecidas. Devoro diligentemente tudo, tomando o cuidado necessário de sempre tudo rejeitar. Assim prossigo. Na terra como o verme, como verme-eu, como eu-verme e como eu. Com a moleza peculiar que só os vermes possuem, e o plus inerente ao Eu. Mole, nunca hirto como os que aqui estão. Onde estão?
Eu ver-me. Não perco cada passo em falso, cada caminhar penoso, cada perna trêmula. Apenas observo cair. E deleito-me. Aceito o anti-gozo, pelo ante gozo. Aproveito-lhe em cada segundo. Acordarei em um ressaca homérica vomitando em flashbacks todos os tensos corpos indigeríveis? Ou apenas não acordarei?
Acordar. Farei-o na terra como o verme e como o eu. Eu ver-me. Não em caixões de madeira cara, ou mesmo de ripas. Tudo me parece acessível, nenhum cetim no mundo é capaz de negar ao verme sua presa, à presa seu verme. Ver-me no escuro. A claridade dentro das entranhas de todos os estranhos que habito me cegam. Realmente cheguei lá? Sinto apenas o sabor da madeira nova e da seda vermelha. Andando em círculos talvez? Parei de sentir o progresso. Ver-me. Verme. Será essa a resposta para tudo?
Não sei aonde cheguei. A cada passo meu corpo lânguido se enrijece e se contrai. Cada vez mais tenso e tenro. Saboreio-o apenas para amargar meu paladar. Ver-me. Irei a algum lugar? Sairei da terra para qual fui feito? Na terra onde sempre fui o eu e o verme. Adentro-a cada vez mais. Abrindo meus olhos e enrijecendo. Reconhecendo cada entranha digerida, enfim digerida. Afundo-me. Meu corpo teso resiste em rastejar mais. Caio na claridade que me ofusca, porém só agora vejo. Estou de volta a superfície entre minhas tão conhecidas entranhas. Duro. Imoral, amoral e paralisado. Aos rígidos, os caixões.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O chamado

Eu deveria ter ido ontem. Eu deveria ir hoje, e quase me atrevo a dizer que deveria ir amanhã. Pois algo me chama. A janela bate marcando o fim de um capítulo do meu dia, conclamando à cerveja gelada que está no bar. O peito dói as ingerências ulteriores, bem como o fígado. A chuva anuncia que meu tempo acabou. Mas algo me chama.
Reneguei as calcinhas usadas esquecidas na ebriedade cega da sexta à noite, reneguei o trabalho acumulado por esses meses de esbórnia desenfreada, reneguei a frase não dita de ontem, o conto não escrito de amanhã, a corda partida do violão, o extrato bancário que fazia volume na carteira, o cinema pseudo-intelectual da sessão das dez, os autores que proclamo como profetas sem nem lhes ler um parágrafo...
Renego a família, os amigos, o bar, o café, o tempo e o espaço. Não por desdém, superioridade ou qualquer coisa que o valha. Apenas o faço com a certeza do inseto que insiste em pousar na tela do meu notebook. Tanto ele como eu sabemos que a minha tela é preciosa demais para ser suja por sua morte. Espero que a vida me dê isonomia.
Não vou renegar deus, o capeta ou mitra. Pouco me importa onde Lênin choraminga suas dúvidas e Smith sente seus demônios. Renego só o cansaço da falsa importância. A minha culpa me renegou, não há por que olhar para fora agora. Mas algo me chama.
A janela bate marcando o fim do capítulo da novela. Não ouço. Reneguei-a bem como o coaxar da minha consciência. O resto se foi, o luar e minha dor. O chamado urge, expulsando as ultimas gotas do meu ser de dentro da garrafa e de mim. Levanto-me, branco como o palimpsesto dos pecados e sigo. Enfim, um chamado a atender.
A janela bate marcando o fim de mais um capítulo da existência humana, ou só daquele velho dormindo na calçada. Passo no banco, tiro o extrato. Um leve tamborilo anuncia que a chuva voltou. Abro a janela.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

21 gramas

Alma. Entidade inefável inerente a todas as religiões, doutrinas ou sentimentos de "queremos ter um propósito" do mundo. Inefável, intangível, imponderável... Ou será que não? Eu nunca me propus a ver, quantificar ou mesmo acreditar nela, mas já houve quem o fizesse. E chegaram a uma conclusão. Independentemente de peso, altura, moral, dinheiro, ela é imutável. Sempre as mesmas 0,741 onças, 0,046 libras... 21 gramas.
Não faço julgamentos morais. Caráter, motivação, paixões... nada disso importa. Executo o serviço (magistralmente) e volto para o conforto do meu lar, onde não hesito em descansar meu corpo fatigado em meus límpidos lençóis. Faço o que faço a menos tempo do que muitos, e há mais tempo do que deveria. A equação é simples. Me dão o alvo, findo o filho da puta e desconto a grana.
Parece grotesco. E de fato o é. Poderia passar horas discutindo a beleza inerente do serviço bem feito, a estética irretocável de meus movimentos... ou negar-me a vaidade e assumir o ascético tom de apenas faço o que devo fazer, como o anjo negro que se esconde na noite. Não realizo o serviço de deus, ou do diabo (realizaria, se esses pagassem bem), é apenas um trabalho sem acepções quaisquer diferentes da financeira. Sim, fica mais fácil de fazê-lo quando simplesmente você está pouco se fudendo.
Poderia parar. Já tinha juntado um dinheiro suficiente para garantir uma vida moderada por muitos anos. Se arranjasse um emprego médio qualquer sustentaria facilmente uma família. Mas não podia parar. Eu era simplesmente bom demais no que fazia para isso,
Entro pela praia na casa. Ricaços e seus caprichos... vista para o mar, 10 câmeras de seguranças mal arrumadas e eles pensam que estão seguros. Vã ilusão. Um cachorro e eu teria ao menos dificuldade. Não há desafio em não ser visto pelo mundo. As pessoas simplesmente já nascem com a vocação.
Silenciosamente me esgueiro por uma janela do andar de cima. Furtivo, apenas observo. Aquela massa branca e sem pelos, totalmente despida sobre os caríssimos lençóis de seda rosa. Ao lado uma poça de vômito de vinho recém tragado, sobre o travesseiro de penas de ganso. Hilário. Uma mulher freneticamente vasculhava o quarto jogando em sua bolsa tudo que parecia ter valor. Puta feia... Senador da república, a mais de 30 anos engordando sua conta bancária a minhas custas, e só pode pagar por aquela puta feia? Revoltante. Espero até ela acabar, ouço seus passos na escada, o barulho da porta batendo. Entro no quarto e vejo aquela ruína humana que me garantiria dois meses de prestações do carro e alguns jantares chiques. Não gosto de me expor, mais esse serviço era até covardia.
Tento em vão acordá-lo. Coloco minha pistola na cama, fico encarando a faca improvisada de saca-rolhas. Mas não consigo matá-lo. Ele é simplesmente repugnante demais para meu senso estético ou meu ascetiscismo. Ele merece algo pior. Aquela gordura encharcada de álcool e outras drogas menos lícitas clamava por dor, sofrimento e humilhação. Não tive escolha. Tento novamente acordá-lo, talvez a última réstia de misericórdia no meu corpo. Mas ele realmente queria... Não tive escolha. Cuidadosamente tiro minha calça e coloco meu pênis para fora. Entumescido de asco. Realizo o serviço sem gemidos ou prazer. Apenas faço o que deve ser feito (o serviço de deus ou do diabo).
A profusão de cores sobre o lençol de seda me fascina... junto o vermelho e o branco ao rosa e roxo... aquela coisa semi-humana me irritou profundamente. Como não estar acordado para apreciar aquela aquarela? Era como passar o Reveillon dormindo e perder os fogos. Em um só movimento castrei-o, enfiando aquela amálgama macabra por sua garganta. Então ele acordou! Depois de todo o show, ele se atreve a acordar... Segurei-o firmemente até asfixiar. Ai sim houve os gemidos e o prazer.
Não me dou ao luxo de apagar meus vestígios. Todos sabem que apenas fiz o que devia fazer. Sem riscos. Não apenas mais um cheque descontado. Um serviço, cumprido pelo meu senso de dever. Inflo o peito orgulhoso de minha própria obra e deixo o quarto, 21 gramas mais pesado.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Botafoguense por um dia...

E eis que na era dos pontos corridos, inusitadas cenas tornam-se freqüentes... Hoje/ontem, dediquei uma hora e meia do meu corrido tempo de universitário em fim de semestre (noooooot!) a torcer pelo Glorioso. Esbravejei com cada contra-ataque desperdiçado, sofri com cada investida tricolor, descabelei-me com os gols perdidos, sofri com os sofridos, e enfim pude soltar aquele entalado grito na garganta. Assim, antes de tudo, a era dos pontos corrido me deu a oportunidade única de experimentar o que é ser botafoguense por um dia.
Ser botafoguense é ter que vencer a 3 rodadas do fim do campeonato, não por um título, uma vaga em um campeonato continental ou mesmo em honra própria... é ter que vencer simplesmente para se manter um time. É ter que depender de um artilheiro que fez tantos gols quanto o Muriqui, em que o jogador diferenciado faz dois golaços, mas é incapaz de empurrar para as redes debaixo da trave, é ver a estrela do time em campo tão solitária como a do escudo...
É ver um jogo em casa que começou fácil se transformar no inferno, é fazer um gol para levar o empate e a virada. É expulsar um do adversário só para ter três dos seus no chuveiro. É ver o empate se transformar em pressão. É ver o gol redentor se transformar em expulsão infantil... E quando escutar o apito final consagrando a vitória sobre o líder do campeonato, saber que ajudou seu maior rival.
Enfim isso é ser botafoguense. Sofrer, tremer, e (quase) chorar a cada 90 minutos em campo. Hoje a nação botafoguense teve milhares de ilustres torcedores, mesmo que apenas por 90 minutos. Hoje vibrei, gritei e sofri com vocês. Só posso desejar-lhes a mesma sorte desse embate contra seus próximos adversários para, quem sabe, ano que vem os pontos corridos me permitam de novo o (des)prazer de ser botafoguense.

Obs.: Como o Mengão não cumpriu seu dever de casa cabe a mim semana que vem torcer fervorosamente pelo goiás, meu algoz desse fim-de-semana... Ah, pontos corridos!

sábado, 21 de novembro de 2009

A passagem (By Vitor Domício)

Como nem sempre as musa me sorriem, mas frequentemente sorriem ao meu brother Domício, apreciem essa obra:

A passagem

O esgoto entupido da área de serviço perturbava seus sonhos. Os besouros subiam na sua cabeça. Toda aquela sujeira se mostrava presente mais do que nunca em sua vida. Manchava a sua existência com o sangue dos desejos suicidas, e com o suor dos trabalhos inúteis.

As contas do fim do mês pareciam engolir a minúscula quase-renda conseguida a custa de lágrimas contidas, gritos engolidos e mortes mal vividas. As contas do fim do mês pareciam...O fim do mês sempre parecia tão longe. Ele parecia tão perto. Ele não parecia. Não parecia porque o fim do mês era a passagem, a obscena passagem de um dia extremamente comum e ante-normal para outro inútil e maldito dia; porque o fim do mês era igual ao começo e ao meio, e era como tudo nessa vidinha de catacreses. Era como tudo e como todos. Não era.

E por isso não se tinha nenhuma empolgação com o fim do mês, com o começo, ou com o meio. Seu mal-cheiroso meio, meio do caminho, meio da vida. Nem nada nem tudo, apenas metade. Viver metade; sentir metade; fazer metade; existir só metade.

Fazia a passagem daquele dia para aquele outro dia como todos os outros dias: dormindo. Dormia, quando era preciso acordar. Dormia, quando era preciso viver, acordar para as mortes que existiam em suas breves mastigadas naquele pão endurecido comprado no dia anterior, que ela comia no café amargo da sua manhã.

A passagem de todos os dias para todos os outros dias era igual a passagem de todos os dias para todos os outros dias.Nada de enriquecedor no lençol sujo que a abraçava no frio sentido pelo coração fútil. Nada de estimulante na dor que o pé podia contemplar em todos os inesgotáveis instantes que pisava, que andava, dando os passos medíocres em direção ao espelho... até parar. Mas nesse caso parar era uma saída. Já que ela não parava nunca com as pré-emoções afastadas dos olhos e contidas na lágrima incapaz de engrandecer o oceano. Mas era necessário parar?

A ignorância de seus falsos sentidos era cômica. Fazia-se rir da maravilhosa desgraça de todo dia sobre o sangue escorrido no túmulo de sua mente.

Agora, preparava-se para outra passagem. Fazia. Realizava. Vivia com a certeza de que tudo seria comportadamente igual ao que sempre foi, chegando a rir do criado mudo, por ter a certeza de que ele nunca deixaria de ser criado mudo, ela sabia. Sabia que tudo, todas aquelas imundas coisas que contribuíam para seu mundo ser daquele jeito, tinha certeza de que tudo nunca ia mudar, e de que nada seria diferente, tendo uma falsa impressão de controle e supremacia sobre as coisas. Mas as coisas é que a controlavam.

Ela realizava aquele ritual antes da passagem, repetia roboticamente aquelas mesmas e velhas ações do pavoroso sempre. Ela sabia exatamente como ia ser depois da passagem. Ela sabia. Depois da passagem ia ser igual a antes. E o amanhã se confundia com o hoje, que se confundia com o ontem.Ela sabia. Isso a assassinava. Isso a acabava sem a piedade sentida ao matar sem querer a formiga na mesa com o copo de saúde do almoço.

Ela continuava... Continuava... Seguindo algo que parecia fazê-la voltar sempre ao começo. Indo a algum lugar ou a lugar algum, de modo a dar dois mentirosos passos para frente, e dois verdadeiros para trás.


Vitor Domício

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