sábado, 26 de junho de 2010

Ufanismo, ou o Nirvana dos Vencidos

       Haverá o dia em que  tudo será deixado para trás. A dor, apenas uma cicatriz. Os erros serão motivo de riso. E nos fartaremos a rir! O toque das peles desnudas, a clamar pelo o outro, afagará nossas almas nos dias tristes esperando o momento para nos afogar em solidão. A ausência será tão insuportável que nos obrigará a abdicar de todo nosso eu. Sacrifício mínimo, pois teremos absoluta certeza que ao primeiro sinal do outro tudo ficará bem.
     Nesse dia, o mundo se apequenará ao seu real tamanho. A sede será eternamente esquecida, a fome, superada e cheios um do outro nos fartaremos, até estarmos saciados. E cheios um do outro, sorriremos ao lembrar de como éramos tolos ao necessitar de tudo o que agora era vão e inútil em nossa redoma sacra.  
      Não serão mais necessários planos, pois sempre estaremos no lugar certo, na hora certa. O dia sempre será mais belo do que o anterior e as intempéries que surgirem serão somente manchas a nublar nosso arrebol. Emanaremos um jardim por onde passarmos, florindo territórios estéreis com a vastidão de nossa completude. E povoaremos cada centímetro com o reflexo da nossa felicidade.
     O mundo poderá sentir inveja, e haverá quem tente corromper e conspurcar nosso paraíso privado. Sentiremos pena desses esforços ridículos, evitando o escárnio aos que tentarem apagar o indelével. O tempo poderá se comover e congelar todos os momentos, estabelecendo um fluxo perene de saciedade e sintonia. Pode até, vingativo tempo, nos negar os pequenos momentos e arrastar um de nós  prematuramente a um fim sozinho, mas nunca solitário. A lembrança, dádiva inefável, reconfortará até o dia que sejamos um para sempre.
       Porém não é hoje esse dia. Talvez não seja amanhã, ou mesmo nunca chegue. Hoje há o Eu, o mesmo que não mais me nutre e brada por algo inalcançável. Posso atender à busca irracional e imprevisível a qual sou conclamado ou então somente esperar, sendo apenas meio, e vagar na minha própria jornada irracional e imprevisível rumo ao dia seguinte. Não ouso escolher um caminho, então erro pela estrada aberta a minha frente entoando o mantra dos conformados: "Talvez amanhã". 

domingo, 20 de junho de 2010

Miopia

Pois ante a dúvida, tudo é belo!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

The Great Gig on the Sky

     Quando enfim consegui proteger a chama do tremeluzente fósforo (a caixa não me permitia mais muitas tentativas...), vislumbrei. O vento por um segundo não me preocupou e tive a certeza de que o que seria o último cigarro da noite (ou da vida) resistiria incólume às tentativas sádicas de assassínio por parte da Noite. A Noite que incansável e freqüentemente me privava de memórias e me abastecia de pequenos prazeres estava decidida a mostrar quem realmente mandava. O vento gélido que obrigava o álcool de meu copo a resistir aos tremores de meus músculos, que obrigava a minha garganta a se manter aberta apesar da infestação purulenta já estabelecida ali, que fazia meus dedos rígidos se agarrarem à última sensação de pertencerem a mim... A escuridão que brindava minha miopia com sombras difusas... Os sussurros dispersos que enchiam de dúvidas meus ouvidos... A Noite veio e tornou meus sentidos inúteis. Só posso agradecê-la.
    Resisti a tudo. Não por teimosia ou nobreza. Simplesmente resignei-me a resistir. Estava biologicamente programado para ignorar as intempéries e seguir, acomodado como estava. Assim contra minha própria vontade, vi tudo que ocorria em mim com a frialdade de um observador externo. Vi quando a Noite trouxe a Solidão e o Abandono. Vi quando passeou belos quadros de Felicidade e Amor, a debochar de mim. Vi o Escárnio alheio pintado em vários tons. Vi o Desespero, o Temor e a Morte. Tudo isso teria afetado qualquer homem irremediavelmente, e por fim surgiu a Loucura. Tentei-me é verdade, mas não essa noite. Não após o que vislumbrei entre a chama de meu cigarro mal aceso, nas borras no fundo de meu copo, no tremor de minha musculatura relapsa...
     Quem me mostrou, de fato, foi a Noite. Não sei que objetivo tinha com isso, se me dar forças ou tomá-las de vez. Fitei de relance e aos poucos fui me absorvendo até perder a noção de tempo e espaço. Temi o que encontraria, tanto quanto ardentemente desejei vê-lo. Duvidei até o ultimo segundo que realmente estivesse lá. Estava lá, no fundo de meu copo, nas cinzas de meu cigarro, em cada fibra de minha musculatura flácida. Observei por muito tempo, até que pudesse ver, e vi tudo ainda mais demoradamente, até que pudesse entender. E, enfim, revelou-se a mim.
      Inútil o esforço do vento. Vãs as ações do mundo ao meu redor. Pois antes e acima de tudo pairava a minha Sina. Estava fadado a sofrer, não de padeceres cotidianos e de pequenos desconfortos. Para  mim estava reservado o eterno vazio, que me blindava contra o vento gélido. Minha Sina, outorgada por poderes maiores e incógnitos ia me guiar até o fim do mundo, sem nunca me permitir descanso. Sempre olharia para frente e veria brumas, sempre olharia para trás e veria trevas. Não haveria aceitação que permitisse tolerar meus dias e minha Sina me privaria, sobretudo, da Morte. 
    Minha acomodação convenceu-me de que a batalha estava perdida. Não haveria sentido em tentar se adequar ou bradar aos quatro ventos (todos gélidos) minha angústia. Ia tentar provar em mim que há coisas maiores, maiores até que minha Sina. Desenganado e sem ilusões tinha, enfim, traçado meu rumo: caçaria o lado escuro da Lua.

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