sexta-feira, 18 de junho de 2010

The Great Gig on the Sky

     Quando enfim consegui proteger a chama do tremeluzente fósforo (a caixa não me permitia mais muitas tentativas...), vislumbrei. O vento por um segundo não me preocupou e tive a certeza de que o que seria o último cigarro da noite (ou da vida) resistiria incólume às tentativas sádicas de assassínio por parte da Noite. A Noite que incansável e freqüentemente me privava de memórias e me abastecia de pequenos prazeres estava decidida a mostrar quem realmente mandava. O vento gélido que obrigava o álcool de meu copo a resistir aos tremores de meus músculos, que obrigava a minha garganta a se manter aberta apesar da infestação purulenta já estabelecida ali, que fazia meus dedos rígidos se agarrarem à última sensação de pertencerem a mim... A escuridão que brindava minha miopia com sombras difusas... Os sussurros dispersos que enchiam de dúvidas meus ouvidos... A Noite veio e tornou meus sentidos inúteis. Só posso agradecê-la.
    Resisti a tudo. Não por teimosia ou nobreza. Simplesmente resignei-me a resistir. Estava biologicamente programado para ignorar as intempéries e seguir, acomodado como estava. Assim contra minha própria vontade, vi tudo que ocorria em mim com a frialdade de um observador externo. Vi quando a Noite trouxe a Solidão e o Abandono. Vi quando passeou belos quadros de Felicidade e Amor, a debochar de mim. Vi o Escárnio alheio pintado em vários tons. Vi o Desespero, o Temor e a Morte. Tudo isso teria afetado qualquer homem irremediavelmente, e por fim surgiu a Loucura. Tentei-me é verdade, mas não essa noite. Não após o que vislumbrei entre a chama de meu cigarro mal aceso, nas borras no fundo de meu copo, no tremor de minha musculatura relapsa...
     Quem me mostrou, de fato, foi a Noite. Não sei que objetivo tinha com isso, se me dar forças ou tomá-las de vez. Fitei de relance e aos poucos fui me absorvendo até perder a noção de tempo e espaço. Temi o que encontraria, tanto quanto ardentemente desejei vê-lo. Duvidei até o ultimo segundo que realmente estivesse lá. Estava lá, no fundo de meu copo, nas cinzas de meu cigarro, em cada fibra de minha musculatura flácida. Observei por muito tempo, até que pudesse ver, e vi tudo ainda mais demoradamente, até que pudesse entender. E, enfim, revelou-se a mim.
      Inútil o esforço do vento. Vãs as ações do mundo ao meu redor. Pois antes e acima de tudo pairava a minha Sina. Estava fadado a sofrer, não de padeceres cotidianos e de pequenos desconfortos. Para  mim estava reservado o eterno vazio, que me blindava contra o vento gélido. Minha Sina, outorgada por poderes maiores e incógnitos ia me guiar até o fim do mundo, sem nunca me permitir descanso. Sempre olharia para frente e veria brumas, sempre olharia para trás e veria trevas. Não haveria aceitação que permitisse tolerar meus dias e minha Sina me privaria, sobretudo, da Morte. 
    Minha acomodação convenceu-me de que a batalha estava perdida. Não haveria sentido em tentar se adequar ou bradar aos quatro ventos (todos gélidos) minha angústia. Ia tentar provar em mim que há coisas maiores, maiores até que minha Sina. Desenganado e sem ilusões tinha, enfim, traçado meu rumo: caçaria o lado escuro da Lua.

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