segunda-feira, 17 de maio de 2010

Creature fear

         A cada acorde tocado afundava alguns centímetros... receava parar de tocar e não parar de afundar, tanto quanto receava simplesmente atingir um fundo. Não deveria existir tal coisa. Mas intimamente sabia que existia. Continuou tocando freneticamente até parar de sentir seus dedos esfolados em letargia. Apaticamente esfolados, naquela noite pálida, ainda que estrelada. Correu nervosamente até cada casa gasta, saboreando cada traste passado como quem saboreia o dia findo. Naquele  momento sim, teve certeza, nada mais existia.
          Nesse torpor sonoro e tátil, sentiu claramente o gosto de tudo aquilo do qual fugia. Não negou receber as lufadas gélidas que atingiam seu rosto. Sempre sereno enfrentou a indômita natureza que o açoitava. Nunca descuidou de nenhuma nota, que seguiam se entrelaçando e estampando seu motivo. Desceu o tom, baixando a cabeça, sem reclinar o espírito. Digeriu humildemente cada dissonante. Assobiou de forma tímida um dueto consigo mesmo. Sem gargalhadas convulsivas, lágrimas contidas, gritos abafados... Deixou fluir, se entregando ao loop da levada mais do que deveria. Superou todos os meneios de seu corpo e, enfim, atingiu um falsete verdadeiro.
       Sentiu a euforia crescer junto com a escala e esboçou um sorriso ao vislumbrar os primeiros raios da aurora. O arrebol marcou o fim de sua elegia, feita de penumbra  e para ela. Repousou o violão ao seu lado, cerrou os olhos e enfim, sonâmbulo, acordou.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Anos 10: Diário de Bordo

        Acordo em uma gélida manhã (não tão manhã assim) ensolarada de fim de maio. Ligo a TV, droga é domingo. Vejo um imbecilizante futebol, seguido de imbecilizantes programas de auditório, todos lotados por imbecis. Todos tentam vender o que se pode chamar de felicidade. Não creio que seja pra mim, sorte a minha. Desisto logo e ponho o tênis de jogging (wtf?!) que comprei pela internet. Lembro-me dela, e desisto de minha quase quebra de sedentarismo. Lixo vendido como notícia, entre anúncios absurdos e "enlarge your penis". 
       Num arroubo de reação corro ao shopping para tentar aplacar esse sentimento indesejado que me aflige sempre. Perdido entre futilidades e levianos seres, visito uma livraria apenas para confirmar as minhas suspeitas: mais esterco, só que dessa vez encadernado. Talvez se Deus (aquele de todos nós) castigasse menos Nardoni`s e mais Stephanie Meyers´s o mundo seria um local mais habitável. E ao pseudo-escritor que ousou escrever a biografia não-autorizada de um ator com menos de 25 anos e nada memorável na carreira, saiba que há mais círculos no inferno do que Dante descreveu.
       Corro ao parque para ver patos politicamente corretos dividirem o lago com cisnes e outras aves inomináveis. Todos ao redor se abraçam e se saúdam em uma dança hipocritamente ensaiada a cada capítulo da novela das oito. Não consigo suportar o asco, ligo o rádio e fecho os olhos, apenas para maior padecer. Me recuso a explanar melhor o assunto, por demais traumático. 
     Só me resta retornar ao cotidiano que aos poucos tenta arrancar meu âmago, pedaço a pedaço. Como um Prometeu pós-moderno, regenero a cada fechar de olhos ou suspiro condescendente pelo que me cerca. Não, não é arrogância ou desprezo... Apenas estou acorrentado a uma época que nunca me pertenceu, em uma terra de outros. Errados eles, ou eu? Não importa, apenas fecho os olhos e suspiro mais uma vez.


sexta-feira, 7 de maio de 2010

Esse Floyd podia ser eterno

             Aqui estou, 2 e meia da manha, mais doses do que conseguiria aguentar no fígado e no sangue... Atom Heart Mother tem 23 minutos, que passaram em um piscar de olhos agora.... que posso fazer? Admito que os caras fizeram a parte deles, mas uns 10 minutos a mais não iriam mal.... custava solar mais 25 centavos?
             Nesse momento esqueço qualquer problema, complicação, estresse, e o que seja e me perco nas vozes russas falando coisas incompreensíveis que fazem todo sentido para mim. Junto o meu íntimo que me diz para fechar os olhos, baixar o queixo, cerrar os dentes e correr, pela minha vida e a de ninguém... Pego isso deixo em segundo plano e me entrego de corpo, alma e espírito (etílico, claro) a esse tecladinho escroto e ao "silence on the studio... Que mais posso almejar? Que mais posso merecer?
              Fecho os olhos, negando qualquer possível epifania ou epitáfio... só quero mais dez minutinho de atom heart mother para indivisívelmente seguir, ad eternum, em um solo dos outros, apenas rezando e clamando por mais dez minutinhos.

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