A cada acorde tocado afundava alguns centímetros... receava parar de tocar e não parar de afundar, tanto quanto receava simplesmente atingir um fundo. Não deveria existir tal coisa. Mas intimamente sabia que existia. Continuou tocando freneticamente até parar de sentir seus dedos esfolados em letargia. Apaticamente esfolados, naquela noite pálida, ainda que estrelada. Correu nervosamente até cada casa gasta, saboreando cada traste passado como quem saboreia o dia findo. Naquele momento sim, teve certeza, nada mais existia.
Nesse torpor sonoro e tátil, sentiu claramente o gosto de tudo aquilo do qual fugia. Não negou receber as lufadas gélidas que atingiam seu rosto. Sempre sereno enfrentou a indômita natureza que o açoitava. Nunca descuidou de nenhuma nota, que seguiam se entrelaçando e estampando seu motivo. Desceu o tom, baixando a cabeça, sem reclinar o espírito. Digeriu humildemente cada dissonante. Assobiou de forma tímida um dueto consigo mesmo. Sem gargalhadas convulsivas, lágrimas contidas, gritos abafados... Deixou fluir, se entregando ao loop da levada mais do que deveria. Superou todos os meneios de seu corpo e, enfim, atingiu um falsete verdadeiro.
Sentiu a euforia crescer junto com a escala e esboçou um sorriso ao vislumbrar os primeiros raios da aurora. O arrebol marcou o fim de sua elegia, feita de penumbra e para ela. Repousou o violão ao seu lado, cerrou os olhos e enfim, sonâmbulo, acordou.