segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Botafoguense por um dia...

E eis que na era dos pontos corridos, inusitadas cenas tornam-se freqüentes... Hoje/ontem, dediquei uma hora e meia do meu corrido tempo de universitário em fim de semestre (noooooot!) a torcer pelo Glorioso. Esbravejei com cada contra-ataque desperdiçado, sofri com cada investida tricolor, descabelei-me com os gols perdidos, sofri com os sofridos, e enfim pude soltar aquele entalado grito na garganta. Assim, antes de tudo, a era dos pontos corrido me deu a oportunidade única de experimentar o que é ser botafoguense por um dia.
Ser botafoguense é ter que vencer a 3 rodadas do fim do campeonato, não por um título, uma vaga em um campeonato continental ou mesmo em honra própria... é ter que vencer simplesmente para se manter um time. É ter que depender de um artilheiro que fez tantos gols quanto o Muriqui, em que o jogador diferenciado faz dois golaços, mas é incapaz de empurrar para as redes debaixo da trave, é ver a estrela do time em campo tão solitária como a do escudo...
É ver um jogo em casa que começou fácil se transformar no inferno, é fazer um gol para levar o empate e a virada. É expulsar um do adversário só para ter três dos seus no chuveiro. É ver o empate se transformar em pressão. É ver o gol redentor se transformar em expulsão infantil... E quando escutar o apito final consagrando a vitória sobre o líder do campeonato, saber que ajudou seu maior rival.
Enfim isso é ser botafoguense. Sofrer, tremer, e (quase) chorar a cada 90 minutos em campo. Hoje a nação botafoguense teve milhares de ilustres torcedores, mesmo que apenas por 90 minutos. Hoje vibrei, gritei e sofri com vocês. Só posso desejar-lhes a mesma sorte desse embate contra seus próximos adversários para, quem sabe, ano que vem os pontos corridos me permitam de novo o (des)prazer de ser botafoguense.

Obs.: Como o Mengão não cumpriu seu dever de casa cabe a mim semana que vem torcer fervorosamente pelo goiás, meu algoz desse fim-de-semana... Ah, pontos corridos!

sábado, 21 de novembro de 2009

A passagem (By Vitor Domício)

Como nem sempre as musa me sorriem, mas frequentemente sorriem ao meu brother Domício, apreciem essa obra:

A passagem

O esgoto entupido da área de serviço perturbava seus sonhos. Os besouros subiam na sua cabeça. Toda aquela sujeira se mostrava presente mais do que nunca em sua vida. Manchava a sua existência com o sangue dos desejos suicidas, e com o suor dos trabalhos inúteis.

As contas do fim do mês pareciam engolir a minúscula quase-renda conseguida a custa de lágrimas contidas, gritos engolidos e mortes mal vividas. As contas do fim do mês pareciam...O fim do mês sempre parecia tão longe. Ele parecia tão perto. Ele não parecia. Não parecia porque o fim do mês era a passagem, a obscena passagem de um dia extremamente comum e ante-normal para outro inútil e maldito dia; porque o fim do mês era igual ao começo e ao meio, e era como tudo nessa vidinha de catacreses. Era como tudo e como todos. Não era.

E por isso não se tinha nenhuma empolgação com o fim do mês, com o começo, ou com o meio. Seu mal-cheiroso meio, meio do caminho, meio da vida. Nem nada nem tudo, apenas metade. Viver metade; sentir metade; fazer metade; existir só metade.

Fazia a passagem daquele dia para aquele outro dia como todos os outros dias: dormindo. Dormia, quando era preciso acordar. Dormia, quando era preciso viver, acordar para as mortes que existiam em suas breves mastigadas naquele pão endurecido comprado no dia anterior, que ela comia no café amargo da sua manhã.

A passagem de todos os dias para todos os outros dias era igual a passagem de todos os dias para todos os outros dias.Nada de enriquecedor no lençol sujo que a abraçava no frio sentido pelo coração fútil. Nada de estimulante na dor que o pé podia contemplar em todos os inesgotáveis instantes que pisava, que andava, dando os passos medíocres em direção ao espelho... até parar. Mas nesse caso parar era uma saída. Já que ela não parava nunca com as pré-emoções afastadas dos olhos e contidas na lágrima incapaz de engrandecer o oceano. Mas era necessário parar?

A ignorância de seus falsos sentidos era cômica. Fazia-se rir da maravilhosa desgraça de todo dia sobre o sangue escorrido no túmulo de sua mente.

Agora, preparava-se para outra passagem. Fazia. Realizava. Vivia com a certeza de que tudo seria comportadamente igual ao que sempre foi, chegando a rir do criado mudo, por ter a certeza de que ele nunca deixaria de ser criado mudo, ela sabia. Sabia que tudo, todas aquelas imundas coisas que contribuíam para seu mundo ser daquele jeito, tinha certeza de que tudo nunca ia mudar, e de que nada seria diferente, tendo uma falsa impressão de controle e supremacia sobre as coisas. Mas as coisas é que a controlavam.

Ela realizava aquele ritual antes da passagem, repetia roboticamente aquelas mesmas e velhas ações do pavoroso sempre. Ela sabia exatamente como ia ser depois da passagem. Ela sabia. Depois da passagem ia ser igual a antes. E o amanhã se confundia com o hoje, que se confundia com o ontem.Ela sabia. Isso a assassinava. Isso a acabava sem a piedade sentida ao matar sem querer a formiga na mesa com o copo de saúde do almoço.

Ela continuava... Continuava... Seguindo algo que parecia fazê-la voltar sempre ao começo. Indo a algum lugar ou a lugar algum, de modo a dar dois mentirosos passos para frente, e dois verdadeiros para trás.


Vitor Domício

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Chove

Chove. Deixemos nossos palácios ou mansões, casebres ou barracos, e corramos a desfrutá-la! Desfrutá-la! Sorvê-lhe cada gota de expiação, encharcar nossas roupas manchadas de tantas vis paixões em sua pureza, depurar-nos em sua limpidez!
Não. Não é a redentora chuva que ansiávamos. Não está a escorrer vigorosa, fina e gelada, percorrendo cada milímetro de nossos conspurcados corpos. Esta é a chuva dos velhos pecados, viscosa e lenta. Realçando cada mancha de nossos mortais trajes. Corroendo todas as nossas proteções e abrigos; casebres e mansões, palácios e barracos; máscaras e gibões.
Contínua e sarcástica, traz à terra tudo o que os céus nos reservam. Corramos, pois esta é a chuva dos velhos pecados, sempre disposta a nos negar o perdão. Arrastando novas máculas, empoçando aos nossos pés. Desfrutem-na! Deleitem-se! Pois esta é a chuva das Mágoas Perenes. A chuva dos Erros Mortais . A chuva da Dor Infligida. A sua Chuva!
Chove. Sorvamos cada gota de agonia e desespero! Afoguemo-nos em auto-comiseração! Só nos resta a lama primordial, de onde viemos e de onde nunca conseguimos sair. Façamos dela nossa morada, criemos nossa própria chuva de velhos pecados! Assim haverá a certeza de que quando o sol ressecar as nódoas em nossas roupas e fustigar nossas frontes pesarosas, ainda estaremos encharcados por dentro. Se o sol nos agraciar. Pois agora chove.

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