quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Untitled #1

        Estavam os dois abraçados, com as almas tão desnudas quanto os corpos. Jaziam assim imóveis, indiferentes ao tempo e imunes a ele. Ele não ousava falar nada, temendo proferir algo capaz de estragar o momento sublime em que estava. Sua mente passeou por toda a sujeira que vivera até chegar aquele momento, todas os anos e todas as noites que desperdiçara tentando se convencer de que tal coisa como a que vivenciava agora não existia. Olhou longamente para os olhos cerrados dela, imaginando se também estava a se lembrar de toda a lama que vivera ou mesmo se ela apenas dormia. Pensou em todos os pequenos atos que o levaram àquela cama de higiene discutível, em um motel barato. Enfim parecia haver algo reservado a ele diferente de medo e delírio. Respirou fundo, sentindo o ar quente exalado pelas narinas dela. Deliciou-se. Carinhosamente desvencilhou-se dos braços dela e abriu a cortina, apenas o suficiente para que a luz intermitente do poste permitisse achar o maço de cigarros. 
        Abraçada como estava, ela não ousava se mexer, nem mesmo abrir os olhos. Desde de o início daqueles longos minutos de silêncio e imobilidade, apenas esperava ter certeza que o sono ébrio houvesse se apoderado do corpo dele para poder escapulir dali. Havia passado instantes maravilhosos desde que conhecera aquele homem, mas já tinha visto o suficiente para saber que não era do tipo que se levava à vida real. Iria simplesmente embora daquele motel de beira de estrada, sem um bilhete, recado ou nota. Sentiu quando ele delicadamente se levantou e acendeu um cigarro. Desejou abraçá-lo uma vez mais e dividir aquele cigarro, dividir seu corpo, sua alma e qualquer coisa mais. Lembrou de todos os momentos passados desde que casualmente o conheceu, até se encontrarem abraçados nessa cama de higiene discutível. Se deu conta de que as ultimas 24 horas tinham sido as melhores de sua vida. Medo e desespero alternadamente passeavam pelo seu corpo, paralisando seus músculos, suas pálpebras.
        Fitou o corpo nu a sua frente. Já havia se dado conta de que sempre vivera na merda, pois de merda era feito. Não merecia tal coisa como felicidade. Estava morto por dentro, e daquele momento lindo nada de bom viria. Racionalizou toda a problemática que surgia no horizonte e visualizou todo o desespero e dor que se apoderariam dele e também dos que o cercavam. Esticou o braço para longe do luar que substituía o poste recém-queimado e serviu-se de mais uma dose do uísque barato que trouxera.
      Uma onda de coragem temerária despontou em seu peito, enrubescendo sua face. Temeu por um átimo que ele notasse, quase desejando que isso ocorresse. Sentiu seu corpo queimar para receber novamente aquele homem que repudiou à pouco. Respirou profundamente. Abriu os olhos e um grande sorriso, para saudar o início de sua reticente felicidade. Procurou em vão aquele corpo nu para fitar os olhos, entregar-se aos braços e fundir-se à alma. Nem um bilhete, recado ou nota.

2 comentários:

  1. Não por acaso ouço piazzola enquanto leio todas esas palavras, talvez meias, talves demasiadas. o certo é que piazzola nao imaginou em nenhum instante que sua composição estaria casada com um conjuge tão ligado e talvez contrastante com sua essencia, como essas linhas. inebriantes, duras e bonitas. Parabéns Tsuneichi, de novo.

    Vítor Domício

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  2. fucking great, dude. só acho que dá pra fazer a narrativa fluir melhor, substituindo alguns termos chatos ae. tirando isso, mt bom. mesmo.

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