Haverá o dia em que tudo será deixado para trás. A dor, apenas uma cicatriz. Os erros serão motivo de riso. E nos fartaremos a rir! O toque das peles desnudas, a clamar pelo o outro, afagará nossas almas nos dias tristes esperando o momento para nos afogar em solidão. A ausência será tão insuportável que nos obrigará a abdicar de todo nosso eu. Sacrifício mínimo, pois teremos absoluta certeza que ao primeiro sinal do outro tudo ficará bem.
Nesse dia, o mundo se apequenará ao seu real tamanho. A sede será eternamente esquecida, a fome, superada e cheios um do outro nos fartaremos, até estarmos saciados. E cheios um do outro, sorriremos ao lembrar de como éramos tolos ao necessitar de tudo o que agora era vão e inútil em nossa redoma sacra.
Não serão mais necessários planos, pois sempre estaremos no lugar certo, na hora certa. O dia sempre será mais belo do que o anterior e as intempéries que surgirem serão somente manchas a nublar nosso arrebol. Emanaremos um jardim por onde passarmos, florindo territórios estéreis com a vastidão de nossa completude. E povoaremos cada centímetro com o reflexo da nossa felicidade.
O mundo poderá sentir inveja, e haverá quem tente corromper e conspurcar nosso paraíso privado. Sentiremos pena desses esforços ridículos, evitando o escárnio aos que tentarem apagar o indelével. O tempo poderá se comover e congelar todos os momentos, estabelecendo um fluxo perene de saciedade e sintonia. Pode até, vingativo tempo, nos negar os pequenos momentos e arrastar um de nós prematuramente a um fim sozinho, mas nunca solitário. A lembrança, dádiva inefável, reconfortará até o dia que sejamos um para sempre.
Porém não é hoje esse dia. Talvez não seja amanhã, ou mesmo nunca chegue. Hoje há o Eu, o mesmo que não mais me nutre e brada por algo inalcançável. Posso atender à busca irracional e imprevisível a qual sou conclamado ou então somente esperar, sendo apenas meio, e vagar na minha própria jornada irracional e imprevisível rumo ao dia seguinte. Não ouso escolher um caminho, então erro pela estrada aberta a minha frente entoando o mantra dos conformados: "Talvez amanhã".