Alma. Entidade inefável inerente a todas as religiões, doutrinas ou sentimentos de "queremos ter um propósito" do mundo. Inefável, intangível, imponderável... Ou será que não? Eu nunca me propus a ver, quantificar ou mesmo acreditar nela, mas já houve quem o fizesse. E chegaram a uma conclusão. Independentemente de peso, altura, moral, dinheiro, ela é imutável. Sempre as mesmas 0,741 onças, 0,046 libras... 21 gramas.
Não faço julgamentos morais. Caráter, motivação, paixões... nada disso importa. Executo o serviço (magistralmente) e volto para o conforto do meu lar, onde não hesito em descansar meu corpo fatigado em meus límpidos lençóis. Faço o que faço a menos tempo do que muitos, e há mais tempo do que deveria. A equação é simples. Me dão o alvo, findo o filho da puta e desconto a grana.
Parece grotesco. E de fato o é. Poderia passar horas discutindo a beleza inerente do serviço bem feito, a estética irretocável de meus movimentos... ou negar-me a vaidade e assumir o ascético tom de apenas faço o que devo fazer, como o anjo negro que se esconde na noite. Não realizo o serviço de deus, ou do diabo (realizaria, se esses pagassem bem), é apenas um trabalho sem acepções quaisquer diferentes da financeira. Sim, fica mais fácil de fazê-lo quando simplesmente você está pouco se fudendo.
Poderia parar. Já tinha juntado um dinheiro suficiente para garantir uma vida moderada por muitos anos. Se arranjasse um emprego médio qualquer sustentaria facilmente uma família. Mas não podia parar. Eu era simplesmente bom demais no que fazia para isso,
Entro pela praia na casa. Ricaços e seus caprichos... vista para o mar, 10 câmeras de seguranças mal arrumadas e eles pensam que estão seguros. Vã ilusão. Um cachorro e eu teria ao menos dificuldade. Não há desafio em não ser visto pelo mundo. As pessoas simplesmente já nascem com a vocação.
Silenciosamente me esgueiro por uma janela do andar de cima. Furtivo, apenas observo. Aquela massa branca e sem pelos, totalmente despida sobre os caríssimos lençóis de seda rosa. Ao lado uma poça de vômito de vinho recém tragado, sobre o travesseiro de penas de ganso. Hilário. Uma mulher freneticamente vasculhava o quarto jogando em sua bolsa tudo que parecia ter valor. Puta feia... Senador da república, a mais de 30 anos engordando sua conta bancária a minhas custas, e só pode pagar por aquela puta feia? Revoltante. Espero até ela acabar, ouço seus passos na escada, o barulho da porta batendo. Entro no quarto e vejo aquela ruína humana que me garantiria dois meses de prestações do carro e alguns jantares chiques. Não gosto de me expor, mais esse serviço era até covardia.
Tento em vão acordá-lo. Coloco minha pistola na cama, fico encarando a faca improvisada de saca-rolhas. Mas não consigo matá-lo. Ele é simplesmente repugnante demais para meu senso estético ou meu ascetiscismo. Ele merece algo pior. Aquela gordura encharcada de álcool e outras drogas menos lícitas clamava por dor, sofrimento e humilhação. Não tive escolha. Tento novamente acordá-lo, talvez a última réstia de misericórdia no meu corpo. Mas ele realmente queria... Não tive escolha. Cuidadosamente tiro minha calça e coloco meu pênis para fora. Entumescido de asco. Realizo o serviço sem gemidos ou prazer. Apenas faço o que deve ser feito (o serviço de deus ou do diabo).
A profusão de cores sobre o lençol de seda me fascina... junto o vermelho e o branco ao rosa e roxo... aquela coisa semi-humana me irritou profundamente. Como não estar acordado para apreciar aquela aquarela? Era como passar o Reveillon dormindo e perder os fogos. Em um só movimento castrei-o, enfiando aquela amálgama macabra por sua garganta. Então ele acordou! Depois de todo o show, ele se atreve a acordar... Segurei-o firmemente até asfixiar. Ai sim houve os gemidos e o prazer.
Não me dou ao luxo de apagar meus vestígios. Todos sabem que apenas fiz o que devia fazer. Sem riscos. Não apenas mais um cheque descontado. Um serviço, cumprido pelo meu senso de dever. Inflo o peito orgulhoso de minha própria obra e deixo o quarto, 21 gramas mais pesado.